Introdução:

Para exemplificar o processo completo de idealização e realização de uma experiência vamos seguir detalhadamente todos os passos seguidos na execução de uma pequena investigação numa área da mecânica newtoniana. A seguir apresenta-se os passos normalmente seguidos. Naturalmente que um investigador com alguma experiência pode saltar alguns daqueles passos, por diversas razões (já sabe o que quer investigar, já tem um sistema experimental a funcionar, etc.), mas nós vamos fazer tudo desde o princípio.

  1. Escolher um tema de pesquisa
  2. Definir a experiência a realizar
  3. Equipamento necessário
  4. Projectar a experiência
  5. Medidas preliminares
  6. Análise de dados preliminares
  7. Reformular a experiência?
  8. Realizar a experiência
  9. Análise de dados
  10. Escrever um artigo


Escolher um tema de pesquisa

Um tema de pesquisa é sempre uma escolha pessoal e as possibilidades são (quase) infinitas. Os investigadores profissionais debatem-se com questões como a actualidade do tema, se já alguém o está ainvestigar, se pode arranjar financiamento, se consegue colaborar com outros colegas, etc., etc., etc.

No ensino a escolha de temas encontra-se mais condicionada por coisas como: a relevância do tema para o curso em causa, se é adequado ao nível etário a que se destina, se o equipamento necessário se encontra disponível ou é facilmente construído, etc., etc., etc.

Para concretizar, no nosso caso, vamos impor algumas restrições antes de definir o tema:

A primeira restrição conduz-nos de modo óbvio para matérias que seja possível apresentar no ensino secundário, por motivo de generalidade.

A segunda restrição está ligada ao facto de ser mais fácil dispor de instrumentos para medir tempos distâncias e massas.

As duas primeiras condições são pouco restritivas, mas a tercerira vai obrigar a estreitar o campo das possibilidades. Senão vejamos

1) Distâncias: Medir distâncias com uma precisão melhor que 1mm é relativamente fácil, basta dispor de uma régua metálica das que apresentam escalas com divisão mínima de 0,5mm. Mas medir a distância percorrida por um determinado objecto numa determinada trajectória num certo intervalo de tempo já pode ser mais complicado porque, embora o instrumento utilizado possa ter uma precisão elevada, as medidas em si terão incertezas associadas muito maiores (por exemplo: se o objecto é grande qual é o ponto de referência neste a usar para definir as distâncias? (idealmente deveria usar-se o centro de massa-CM- mas... onde está ele?). Em condições de laboratório didáctico precisões melhores que 1mm são difíceis de atingir (sendo o mais vulgar alguns mm)

2) Massas: Actualmente é relativamente fácil determinar a massa com boa precisão pois existem balanças digitais com boas características a preços razoáveis (para laboratórios). O único problema é que a precisão depende muito da gama de massas que se quer medir e, se quizermos, variar a massa bastante podemos sair fora do alcance das balanças disponíveis. De qualquer modo uma precisão de 0,1g pode ser fácilmente obtida, para massas pequenas (<0,5kg)

3) Tempo: a medida do tempo acarrecta sempre grandes imprecisões quando feita pelos experimentadores; o tempo de reacção, variações de atenção ou outros factores aumentam, sempre drásticamente a precisão alcançada que raramente desce abaixo dos 1s ou 2s.

Nesta altura convém referir que actualmente se dispõem, cada vez com mais facilidade, de sistemas de sensores ligados a computadores que permitem medir todas aquelas grandezas com elevada precisão, e, o que muitas vezes é mais importante, dinâmicamente (em função do tempo) o que permite determinar imediatamente velocidades, forças ou outras grandezas compostas. No entanto esse equipamento nem sempre está dsponível ou é fácil de utilizar.

Há, no entanto, um sensor trivial e que basta ligar à entrada de som (placa de som) de qualquer computador pessoal, para se ter um sistema de aquisição de dados temporal de elevada precisão: é o microfone. Com o microfone podemos gravar o som produzido por acontecimentos mecânicos (choques por ex.) e por análise posterior do som gravado podemos extrair a informação de tempo entre esses acontecimentos. Essa informação pode ser extraída com uma precisão que pode ser menor que 1ms (ou seja 0,0001s - fantástico!)

Atingir precisões comparáveis áquela em medidas de distâncias e massas só com equipamentos que custam milhares de euros. Assim se conseguirmos arranjar um tema em que baste medir intervalos de tempo estamos nas condições que nos propusemos atingir.

Um fenómeno mecânico onde, quase sempre, se produz som é nos choques entre partículas. A própria produção do som traduz uma perca de energia, ou seja que esses choques não são elásticos. Uma hipótese de trabalho seria explorar essas percas de energia para estudar um qualquer fenómeno mecânico.

Surge assim a possibilidade de medir o chamado "Coeficiente de Restituição" que é a relação entre os módulos da velocidade relativa entre os dois corpos depois (d) e antes (a) de chocarem:

A medida deste coeficiente é particularmente fácil quando temos um corpo leve que choca com outro de massa muito elevada (exemplo: uma bola a chocar com a terra). Neste caso a velocidade relativa é simplesmente a velocidade do corpo mais leve antes e depois do choque. Ou seja, se deixar-mos cair uma bola no chão podemos medir o seu coeficiente de restituição medindo sómente uma velocidade, a da bola.

Temos assim seleccionado o nosso tema de estudo. Após uma pequena pesquisa bibliográfica (na Internet ou em livros de Física Geral) conclui-se que o coeficiente de restituição depende dos materiais envolvidos (como seria de esperar) mas não depende das velocidades envolvidas (para gamas de valores não muito grandes)

TEMA: Coeficiente de Restituição

 

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Definir a experiência a realizar

Como medir o coeficiente de restituição?

Pedindo ajuda à gravidade! Se deixar-mos cair uma bola de uma altura H e se, depois de ressaltar no chão, ela subir até uma altura h então o coeficiente de restituição é dado por:

Mas aqui temos o problema das medidas de espaços, que queremos evitar, além disso a medida da altura a que sobe a bola tem que ser feita num objecto em movimento o que torna um sistema não automatizado muito pouco preciso.

Mas a altura a que sobe a bola (que depende da velocidade com que saiu do chão) também pode ser determinada pelo tempo de voo (o tempo que a bola demora a subir e a descer), ou seja:

- se determinarmos os sucessivos intervalos de tempo entre saltos consecutivos da mesma bola podemos determinar sucessivos valores para as alturas atingidas (h) e a partir destes valores determinar o coeficiente de restituição. Ainda temos a vantagem de não precisar sequer de saber qual foi o H inicial pois podemos sempres ignorá-lo e só considerar os saltos seguintes. Esquematicamente:

A vantagem desta aproximação é que só é necessário medir tempos, o que, como já vimos, podemos fazer de modo simples com elevada precisão com um computador e um microfone que grave o som da bola a bater no chão.

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Equipamento necessário

Como já vimos necessitamos de um computador com uma placa de som que tenha entrada para microfone. Será também necessário um programa para gravar o som e um programa para editar som e que permita medir intervalos de tempo.

PC/Windows - práticamente todas as placas de som já trazem esses programas incluidos

Macintosh - Usar por exemplo o programa SoundEdit

Também podem ir buscar pela internet outros programas de utilização gratuita (ver por exemplo: http://www.tucows.com (usar de preferência um "mirror" local, por ex. http://oninet.mac.tucows.com/ )

O computador+microfone é o nosso sistma de medida. Além disso o computador também vai servir para a análise dos resultados obtidos e, naturalmente, para escrever o artigo/relatório final.

A Importância do "Livro de Bordo" ("Log-book"):

Nunca é demais realçar a importância de tomar notas com frequência, algumas pessos diriam freneticamente. Mesmo nesta fase de projecto já devemos dispor de um livro onde se registe as ideias ocorridas, as possíveis soluções para os problemas que surgem, referências bibliográficas, etc. Neste exemplo foi feito um log-book cujas páginas foram digitalizadas para consulta. Nesta fase têm particular importância as páginas 1 a 4.

 

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Projectar a experiência

Do ponto de vista experimental esta experiência é muito simples. Uma vez posto o computador a gravar som de um microfone o esquema da experiência é o que se mostra na página 5 do log-book. Uma vez o sistema em funcionamento o procedimento para a medida do coeficiente de restituição para diversos materiais (têm que ser bolas!) é sempre o mesmo: gravar o som dos ressaltos e determinar os intervalos de tempo com a juda do computador. Naturalmente que podemos fazer uma lista mais ou menos extensa das bolas a medir (ver pág. 6 do log-book).

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Medidas preliminares

Nesta caso as medidas preliminares tornaram-se logo definitivas. Começou-se por usar uma bola de ping-pong uma vez que com esta se pode gravar um número elevado de ressaltos (mais de 10) com boa qualidade, como se pode ver na seguinte figura:

O instante em que a bola bate no solo pode ser determinado com muito elevada precisão como se pode ver na figura seguinte onde se mostra o primeiro impulso ampliado (note-se a escala de tempos em cima):

A digitalização do som feita pelo computador pode ser feita com uma amostragem (número de vezes que é digitalizada a amplitude da onda sonora por segundo) que pode ir até 44kHz. No nosso caso escolheu-se uma frequência de amostragem de apenas 22kHz pois torna os ficheiros mais pequenos e a precisão atingida já é menor que 1 ms.

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Análise de dados preliminares

Referindo-nos ao log-book (págs 9 a 16) depois de determinar os intervalos de tempo criou-se um ficheiro numa folha de cálculo que calcula automáticamente os valores do coeficiente de restituição e faz um gráfico destes em função do número do ressalto (pode copiar uma versão para o Excel aqui). Deste modo pode-se calcular com facilidade os valores do coeficiente de restituição bem como o erro a ele associado. O gráfico permite visualizar imediatamente se os valores se mantêm constantes ou se há variações inesperadas que nos façam suspeitar de alguma incorrecção na recolha dos dados ou sua análise. Na figura seguinte a primeira coluna é o número do intervalo de tempo (N), a segunda é o intervalo de tempo determinado a partir da onda sonora (Delta t), a terceira é o erro associado ao intervalo de tempo (Dti_err) (é, quase sempre, o mesmo para todos os intervalos de tempo), na quarta coluna estão os valores do coeficiente de restituição (Cr) calculados a partir da fórmula acima, e na útlima o erro no valor de Cr (Cr_er) determinado a partir da propagação de erros. Finalmente o gráfico mostra no eixo vertical os valores de Cr em função do número do intervalo de tempo N.

No log-book encontram-se os resultados para as bolas medidas.

Note-se que todo o cuidado é pouco. Ao escrever este texto, reparei que nalgumas medidas (saltitra30cm, tenis50cm e tenis2m - pgs. 13, 15 e 18 do log-book respectivamente) o erro na medida do intervalo de tempo mudou com N, mas nos cálculos não entrei em conta com essa alteração. Antes de utilizar estes resultados, para o relatório por exemplo, eles têm que ser re-analizados.

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Reformular a experiência?

Como podemos ver não há qualquer necessidade de reformular a experiência pois já está tudo a funcionar.

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Realizar a experiência

Ver o log-book!

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Análise de dados

Ver o log-book!

Como se pode ver o coeficiente de restituição para a mesma bola parece manter-se constante, no entanto, num caso - tenis50cm - há uma variação drástica aparentemente entre dois valores constantes. Este facto mereceu alguma investigação posterior e algumas novas conclusões que irão aparecer no trabalho final (págs 17 a 22)

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Escrever um artigo

Ver a parte final do log-book e o artigo em formato pdf aqui.???????

 


(pjmendes@fis.uc.pt)