Em qualquer ramo da Ciência o método utilizado para a aquisição de conhecimentos e para a sua sistematização com vista à sua compreensão e futura utilização em sistemas semelhantes é o chamado método experimental. Este consiste fundamentalmente em, face a determinado sistema que se pretende estudar, realizar experiências controladas sobre esse sistema medindo, e registando, as grandezas observáveis e que se supõe determinam o comportamento desse sistema, em seguida procurar encontrar as relações matemáticas (as leis) a que obedecem esses resultados, para de seguida sistematizar e formalizar esses conhecimentos de modo mais geral de maneira a ser possível prever o comportamento de sistemas semelhantes nas mesmas circunstâncias, e, finalmente, comunicar à comunidade científica esses resultados e a respectiva formalização de modo a que outros cientistas possam duplicar os nossos resultados e verificá-los por aplicação a outros sistemas. Resumindo, em primeiro lugar seleccionamos aquilo que consideramos serem as características essenciais da situação física em estudo, em seguida procedemos à generalização das observações realizadas, a teoria, e, a partir da teoria fazemos deduções. As deduções são testadas realizando experiências. Mas, em geral, as deduções referem-se a situações simples e idealizadas, ou mesmo teóricas. Para realizar o teste temos que criar esta situação simples na confusão e complicação do mundo real, o que nem sempre é muito fácil de realizar. Podemos resumir o funcionamento do método experimental no seguinte algoritmo:

Repetir

Tirar notas
Projectar experiência
Medir a(s) variável(eis) experimental(is)
Analisar os dados
Fazer modelo da experiência
Comparar o modelo com os dados

Até comparação satisfactória

Escrever artigo científico

Nas aulas é ensinada a teoria dos assuntos. O mundo real é descrito em termos das características que as teorias actuais dizem ser essenciais. A tendência geral é referir, nas aulas, só estas características e é bem possível que os alunos se convençam que elas constituem o mundo, em vez de não passarem de uma selecção particular deste. Além disso, geralmente tudo encaixa de modo tão perfeito e suave que facilmente nos esquecemos do génio e esforço que foi necessário para criar esse assunto. O antídoto mais eficaz para este tipo de atitude é ir para o laboratório e ver e sentir as dificuldades do mundo real.

Vemos assim que uma das partes mais importantes da actividade dos físicos é a realização de experiências com os sistemas que se pretende estudar. Com o acumular de experiência adquirida ao longo dos séculos há um certo conjunto de regras, metodologias e comportamentos que se devem adoptar quando se realizam experiências. Neste curso pretende-se apresentar as regras básicas da realização de experiências em Física.

Os trabalhos de laboratório, em qualquer ramo de ensino, são, geralmente, realizados com os seguintes objectivos

  1. para demonstrar as teorias e melhor as compreender,
  2. para criar familiaridade com um aparelho,
  3. para treinar como se fazem experiências.

Consideremos cada um destes objectivos separadamente.

Ver alguma coisa demonstrada na prática é, quase sempre, uma grande ajuda para a sua compreensão. Por exemplo, a interferência da luz é um conceito que não é intuitivo. A ideia de que dois feixes de luz podem cancelar-se dando origem a escuridão é um bocado difícil de engolir, e a maior parte das pessoas acha útil a realização de uma demonstração visual. Uma demonstração pode ser útil por outra razão-dá uma ideia das ordens de grandeza das coisas. As franjas de interferência estão, geralmente, muito próximas o que indica que o comprimento de onda da luz é pequeno quando comparado com objectos do dia a dia. Mas a demonstração não é nenhum substituto da explicação correcta, que nos leva a entrar em detalhes relativamente à geometria e relações de fase. Por isso o primeiro objectivo, a demonstração de ideias teóricas, é muito útil mas um pouco limitada.

O segundo objectivo pode ser mais importante mas, é necessário dizer exactamente qual é o significado de 'aparelho' neste contexto. É natural que já tenham tido contacto com aparelhos simples, tais como potenciómetros, resistências variáveis, cronómetros, osciloscópios, etc., e a experiência ganha na sua manipulação irá ser sempre muito útil. No entanto, se vier a realizar trabalho científico de qualquer tipo, a gama de instrumentos com que poderá vir a trabalhar é enorme. Seria impossível, e muito pouco razoável, tentar aprender como funcionam todos os instrumentos. O que se deve fazer é ganhar treino no uso de instrumentos em geral. Há uma certa atitude mental que um experimentalista deve adoptar quando maneja um instrumento qualquer, e isso ganha-se com experiência. Mas isto é parte do terceiro objectivo, que é o mais importante de todos.

A frase 'como se fazem experiências' pode parecer vaga, tentemos ser mais específicos. Um dos objectivos principais destas notas é treinar a

  1. planear uma experiência cuja precisão seja adequada ao fim em vista,
  2. ter consciência, e providenciar para eliminar, os erros sistemáticos nos métodos e nos instrumentos,
  3. analisar os resultados de modo a tirar conclusões correctas,
  4. fazer uma estimativa da precisão do resultado final,
  5. registar as medidas e os cálculos com precisão, clareza e concisamente.

Ou seja, pretende-se treiná-los a ser experimentadores competentes. Naturalmente que também será interessante observar como funcionam as coisas.


(pjmendes@fis.uc.pt)