Como Escrever um Artigo

Introdução


Uma parte muito importante do trabalho científico é a comunicação das ideias, teorias e resultados experimentais. Há uma quantidade imensa de literatura científica produzida presentemente nas mais diversas áreas e tópicos. Uma boa qualidade na escrita de comunicações científicas traz dois benefícios - o primeiro para nós próprios, os autores, quando as outras pessoas reparam no que temos para dizer, e o segundo para o resto do mundo que - por estranho que pareça - preferem que o seu material de leitura seja claro e interessante em vez de obscuro e aborrecido.
Neste capítulo iremos considerar algumas das características de bem escrever cientificamente. Para tornar a discussão mais concreta iremos restringir - nos a um artigo, ou relatório, sobre um trabalho experimental em física, mas a maior parte do que se vai dizer é válido para a escrita científica em geral.


Título


A função do título é identificar o artigo. Deve ser breve - não mais do que cerca de dez palavras. Deve-se ter presente que o título poderá aparecer num índice de assuntos. O compilador de um índice confia quase cegamente nas palavras do título para decidir onde o colocar. Assim se houver uma ou duas palavras chave que podem ajudar a classificar o trabalho, deve-se tentar colocá-las no título.


Resumo (Abstract)


Todo o artigo deve ter um resumo (em inglês - abstract) de cerca de 100 palavras, que dê informação positiva acerca do seu conteúdo.
O resumo é útil para dois tipos de leitores. Permite aos que trabalham no mesmo assunto decidir se querem ler o artigo ou não; e serve de sumário para os que só têm um interesse muito geral no assunto - podem ver os resultados essenciais sem ter que ler o artigo todo. Deste modo, o resumo deve não só indicar qual o âmbito geral do artigo, mas também deve conter os resultados numéricos finais e as principais conclusões.


Plano do artigo

A grande maioria dos artigos - a menos que sejam muito curtos - são divididos em secções. A divisão seguinte é uma das mais comuns:
Introdução
Técnica experimental
Resultados
Discussão
Alguns artigos descrevendo trabalho experimental podem também ter material teórico, que pode constituir uma secção separada, aparecendo, em geral, depois da Introdução ou dos Resultados.
Embora o plano real de um artigo dependa geralmente do seu conteúdo, o que foi apresentado acima é lógico e deve tentar segui-lo, pelo menos de um modo geral. Vames em seguida considerar cada secção em particular.


Secções de um artigo


(a) Introdução. A introdução é uma parte importante de um artigo. A maioria das experiências fazem parte de uma investigação mais geral de um problema físico. A introdução deve deixar claro
o interesse físico do problema,
o papel que a presente experiência joga na investigação mais geral,
qualquer relação entre a experiência e trabalho anterior.
Estes três pontos podem-se resumir a responder à pergunta 'Porque é que fez a experiência ou qual foi o seu objectivo?'
Podemos considerar que o leitor da parte principal do artigo terá um certo conhecimento do assunto, mas, outras pessoas podem não possuir esses conhecimentos. A introdução deve servir como ponto de partida para estas pessoas. Podemos não querer descrever o assunto desde o princípio, nesse caso devem-se indicar referências - não muitas - a trabalhos publicados que completem o assunto. A introdução mais esses trabalhos devem ser suficientes para levar o leitor ao ponto de perceber o resto do artigo.
Apresenta-se em seguida um exemplo de uma excelente introdução, retirada do artigo de J. J. Thomson sobre os Raios-Catódicos (Thomson 1887), anunciando a descoberta do electrão.

CATHODE RAYS

The experiments discussed in this paper were undertaken in the hope of gaining some information as to the nature of the Cathode Rays. The most diverse opinions are held as to these rays; according to the almost unanimous opinion of German physicists they are due to some process in the aether to which - inasmuch as in a uniform magnetic field their course is circular and not rectilinear - no phenomenon hitherto observed is analogous: another view of these rays is that, so far from being wholly aetherial, they are in fact wholly material, and that they mark the paths of particles of matter charged with negative electricity. It would seem at first sight that it ought not to be difficult to discriminate between views so different, yet experience shows that this is not the case, as amongst the physicists who have most deeply studied the subject can be found supporters of either theory.
The electrified-particle theory has for purposes of research a great advantage over the aetherial theory, since it is definite and its consequences can be predicted; with the aetherial theory it is impossible to predict what will happen under any given circumstances, as on this theory we are dealing with hitherto unobserved phenomena in the aether, of whose laws we are ignorant.
The following experiments were made to test some of the consequences of the electrified-particle theory.

Iremos referir esta passagem mais tarde, mas entretanto, note-se como Thomson deu clara e directamente o tipo de informação que deve aparecer na introdução - a frase de abertura é um modelo de perfeição.

(b) A técnica experimental. Nesta secção deve-se descrever a aparelhagem. A quantidade de detalhe a fornecer varia bastante devendo basear-se no seu próprio bom senso, no entanto, alguns conselhos gerais podem ser úteis como guia. Se a aparelhagem utilizada for de um tipo vulgar, não é necessário descrevê-la, bastando uma referência para que qualquer pessoa interessada possa encontrar uma descrição detalhada noutro sítio. Por outro lado, se houver pormenores inovadores, devem ser descritos com algum detalhe.
Embora se possa considerar que, o leitor desta secção esteja familiarizado com as técnicas utilizadas não se deve destinar o artigo a outros investigadores que trabalhem na mesma área. Não se deve utilizar frases exotéricas só compreendidas por esses investigadores, nem se devem incluir detalhes pormenorizados que só a eles interessariam.

(c) Resultados. De um modo geral nunca é possível, nem desejável, apresentar todas as medidas realizadas pois só iriam confundir e distrair o leitor do verdadeiro objectivo do trabalho e iriam obrigá-lo a gastar tempo a descobrir a importância relativa de cada medida de modo a extrair os resultados essenciais. Mas isso faz parte do nosso trabalho ao escrever o artigo. Deve, portanto, apresentar
Uma amostragem significativa de algumas das medidas básicas,
os resultados mais importantes.
Note-se bem a palavra representativos em (i). A amostragem que apresentar no artigo deve dar uma ideia fiel da qualidade, precisão e reprodutibilidade das medidas. Assim, se dispuser de 100 conjuntos de medidas, não vai reproduzir o segundo melhor com a indicação de 'Resultados típicos'.

(d) Discussão. O título fala por si próprio. Tal como na Introdução, esta secção é uma das mais importantes do artigo. Deve incluir
comparação com outras medidas semelhantes, se existirem,
comparação com a teoria relevante,
discussão do estado do problema investigado à luz dos resultados obtidos. Esta é a conclusão, a contraparte ao objectivo da experiência referido na Introdução.

 

Diagramas, gráficos e tabelas


Quase tudo o que se disse nos Capítulos 5 e 6 acerca de diagramas, gráficos e tabelas, se aplica ao seu uso em artigos.
Um diagrama pode dar uma grande ajuda na compreensão de um texto. A menos que a aparelhagem seja muito vulgar, um diagrama desta deve, quase sempre, ser incluído. Os gráficos são muito convenientes e práticos para mostrar os resultados. Devem ser tão simples quanto possível, tal como os diagramas. Na versão final impressa os gráficos e diagramas são geralmente reduzidos 2 a 3 vezes relativamente aos originais, por isso, a menos que as linhas e texto estejam grossos no original, a versão final pode parecer leve e pouco distinguível.
Outra maneira prática de apresentar os resultados são as tabelas. Têm a grande vantagem de sobressair do texto e o leitor pode encontrar resultados fácilmente. No entanto não se deve exagerar no número de tabelas para evitar a pesquisa fastidiosa dos resultados importantes.

Instruções para os autores


Muitas revistas científicas publicam, na própria revista ou num panfleto separado, instruções para os autores, de maneira a que os artigos nelas publicados apresentem um mesmo estilo gráfico. É aconselhável ler estas instruções antes de escrever o artigo na sua forma final para evitar trabalho adicional mais tarde. Estas instruções referem-se, em geral, ao formato dos títulos das secções, às abreviaturas, referências, notas de rodapé, tabelas, diagramas e gráficos. Algumas revistas já aceitam o texto em formatos electrónicos (TEX, processadores de texto específicos ou outros).

Clareza


A clareza é uma qualidade essencial na escrita científica. Podemos distinguir dois tipos.
(a) Clareza estrutural. Um texto possui clareza estrutural se o leitor pode seguir com facilidade o delinear da argumentação - ver a ideia geral apesar dos pormenores. Tópicos semelhantes devem ser agrupados, e estes grupos colocados numa ordem lógica.
É fortemente aconselhado escrever um esquema geral antes de começar a escrever o artigo. Trata-se de um diagrama esquemático em que todas as ideias, argumentos, detalhes experimentais, etc. estejam representados por uma palavra ou frase curta. Quando se faz este esquema, o conjunto é vista de uma forma mais clara e abrangente, e, além disso, é mais fácil modificá-lo se não estivermos satisfeitos com o que temos. As secções principais devem corresponder ao plano apresentado na secção 8.4.
(a) Clareza de exposição. O outro tipo de clareza, que se pode designar por clareza de exposição, consiste em fazer o leitor entender exactamente aquilo que estamos a tentar comunicar-lhe em cada passo da exposição.
Consideremos novamente o extracto do artigo sobre os Raios Catódicos de Thomson. É de uma clareza cristalina. Somos levados de um ponto para o seguinte. Notar a frase 'so far from beeing wholly aethereal'. Mesmo que tivesse sido omitida ainda podíamos seguir a discussão, mas o contraste explícito é útil. Facilitar as coisas ao leitor é vantajoso em qualquer tipo de escrita, mas particularmente na escrita científica.
Pode-se pensar que o exemplo dado não é um teste muito rigoroso para o escritor, porque ele está a explicar um assunto simples. Isso é verdade, mas, o motivo porque é simples é porque Thomson o fez simples. Ele seleccionou as características importantes das teorias sobre a natureza desses raios. Ele consegue fazê-lo porque ele compreende a física do fenómeno. Este é um ponto fundamental. Clareza na escrita depende de clareza no nosso raciocínio. Não se consegue produzir um artigo claro e lógico a menos que se compreenda a física envolvida.

Conclusão


Nem toda a gente consegue escrever boa literatura, mas toda a gente pode escrever Português (Inglês, Francês, etc.) bom e claro, se estiver disposto a dar-se a esse trabalho. Temos que ser críticos acerca do que escrevemos. Devemos perguntar-nos constantemente se o que estamos a escrever tem lógica, é claro e conciso. Caso contrário deve-se tentar novamente - e novamente Escrever difícil torna a leitura fácil. Deve-se pedir a opinião de outros acerca do que escrevemos.
Não se deve considerar boa experimentação e boa escrita como coisas independentes. Ambos apresentam os seus aspectos belos, e, não é por acaso que, grandes cientistas como Galileu ou Newton, tenham produzido alguma da melhor literatura científica. Mas vamos dar a última palavra a um não-cientista - Cervantes.


'Estude para aclarar os seus Pensamentos sob a Luz mais pura, trabalhando tanto quanto possível para não os deixar escuros nem intricados, mas claros e inteligíveis.'



(pjmendes@fis.uc.pt)